O Observatório de Educação Básica (ObsEB), vinculado à Faculdade de Educação – Universidade de Brasília (FE/UnB), espaço de natureza política, científica, acadêmica e social, defende a educação pública, gratuita, laica, de qualidade social referenciada e democrática. Com esse propósito, e investindo no debate democrático, são apresentadas algumas reflexões acerca das proposições do MEC sobre o Novo Ensino Médio, com base em resultados das consultas públicas, apresentados por meio do sumário executivo divulgado em canais oficiais:
a) Reconhecemos o avanço no restabelecimento do diálogo do Governo Federal/MEC com a sociedade, por meio de diferentes instrumentos/mecanismos de participação, conforme Portaria nº 399, de 8 de março de 2023, que institui a consulta pública para a avaliação e reestruturação da Política Nacional de Ensino Médio. Esse aspecto é relevante, tendo em vista a interdição a que foi submetida a comunidade científico-acadêmica nos últimos seis anos. Reconhecemos ainda, a necessidade de reformas nas políticas educacionais brasileiras, especialmente voltadas para o Ensino Médio.
b) O sumário executivo posiciona-se acerca dos seguintes aspectos do Novo Ensino Médio: i) Carga Horária; ii) Organização Curricular; iii) Exame Nacional do Ensino Médio; iv) Equidade educacional, direitos humanos e participação democrática dos estudantes v) Educação a Distância (EaD); vi) Infraestrutura; vii) Formação Técnica e Profissional; viii) Formação e valorização dos professores; ix) Política de permanência; x) Tempo Integral; xi) Avaliação. Embora reconheçamos o esforço do atual Governo em estabelecer o diálogo com a sociedade civil, faz-se necessário avançar no debate e em propostas para solucionar os problemas estruturais que assolam a educação básica no Brasil.
c) O posicionamento deste Observatório pauta-se no entendimento de que o Novo Ensino Médio, articulado com a Base Nacional Comum Curricular, como política alinhada aos interesses do mercado e patrocinada por organismos multilaterais a serviço do capital, transpõe para o campo educacional os pressupostos, as ideologias e as perspectivas de currículo e de gestão que atuam alinhavadas à lógica da internacionalização e da privatização. O governo anterior, para cumprir protocolos externos e defender os interesses econômicos e empresariais, inseriu a educação básica pública brasileira no âmbito das atividades mercantis lucrativas. Essa perspectiva é inconciliável com o projeto democrático de educação, vitorioso nas eleições de 2022. Portanto, as proposições do MEC, embora relevantes, não alteram esses fundamentos mercadológicos e neoliberais que embasam o Novo Ensino Médio.
d) Recordamos que as Diretrizes Curriculares Nacionais fixadas pelo Conselho Nacional de Educação, após amplo debate com entidades, universidades, estudantes, professores, sociedade civil, caracterizam-se como orientadores dos sistemas de ensino e de escolas na elaboração, articulação, desenvolvimento e avaliação das propostas pedagógicas e curriculares, preservando a autonomia didático-pedagógica, garantida na LDB 9.394/96. Portanto, a organização curricular do Ensino Médio deve garantir ao estudante o acesso ao conhecimento historicamente elaborado que, efetivamente, lhe dê condições para o desenvolvimento do pensamento crítico e não simplesmente a reprodução da lógica eficientista, conteudista e meritocrática que rege o mercado.
e) A recomposição da carga horária destinada à Formação Geral Básica (FGB) para 2.400 horas com possibilidade de ampliação até 3000 horas, é uma necessidade que se impõe, para superar a dualidade estrutural na formação da juventude brasileira, vitimada pela fragmentação e pelo aligeiramento do currículo com itinerários formativos desconexos com a realidade e com as concretas necessidades dos estudantes. Essa ação deve ser acompanhada de plano de carreira, salário, melhores condições de trabalho docente e valorização dos profissionais da educação.
f) Itinerários formativos ou percursos de aprofundamento e integração de estudos, devem ser decisões a serem tomadas por cada escola a partir de seus projetos político-pedagógicos. Urge investir na formação continuada dos profissionais da educação para que compreendam de forma autônoma, as possibilidades didáticas e curriculares, em favor de uma organização do trabalho pedagógico crítico, integrado e contextualizado às realidades das escolas e dos sujeitos em formação. Catálogos prescritos de itinerários ou percursos reforçam uma visão técnico-instrumental do trabalho docente.
g) A Educação a Distância, mesmo que restrita a 20% na oferta para a Educação Profissional Técnica, merece atenção, tendo em vista as diferentes realidades escolares no que concerne à estrutura física e tecnologias precárias. O Censo da Educação Básica (2022) revelou que escolas, estudantes e boa parte dos professores não têm acesso a equipamentos tecnológicos e à internet banda larga.
h) O notório saber, como critério para selecionar “professores”, é inadmissível na educação básica e superior públicas, pois precariza a formação docente, desvaloriza a carreira magistério. A defesa é pela autonomia e autoria docente que requer formação específica articulada à formação pedagógica.
i) É urgente e necessária a implantação de uma política de educação integral em tempo integral nas escolas brasileiras. Sob essa perspectiva, são depositadas expectativas no Programa Escola em Tempo Integral, sancionado pelo presidente Lula, visando o alcance da meta 6 do Plano Nacional de Educação (PNE), que visa oferecer educação em tempo integral em, no mínimo, 50% das escolas públicas.
Por fim, temos alternativas contra hegemônicas ao neotecnicismo, à pedagogia das competências, à formação ligada aos interesses do mercado. O Ensino Médio Integrado à Educação Profissional (4200 horas), vivenciado nos Institutos Federais de Educação, Ciência e Tecnologia, é uma das alternativas, certamente há outras. Já temos ampla literatura que atesta a viabilidade dessas experiências. Avançar na construção de um projeto de formação das juventudes brasileiras, requer avaliação das possibilidades das alternativas contra hegemônicas, que inclui, rever as dimensões da avaliação da educação brasileira que revelam aspiração tecnicista contemporânea, a ênfase em resultados a todo custo, fracassou em vários países. Educação pública, gratuita, referenciada socialmente requer reflexão sobre a lógica de resultados que têm orientado as políticas educacionais brasileiras. Avaliar para qualificar processos e políticas é o caminho.
Em face desses elementos que expressam a fragilidade de conteúdo e forma da Reforma do Ensino Médio, nos posicionamos pela sua revogação, acreditando que o diálogo instituído é um exercício coletivo e democrático em torno da construção do projeto de educação que as juventudes brasileiras merecem. Ratificamos a necessidade de se buscar, juntamente com os sujeitos (jovens e adultos), destinatários dessas proposições, estratégias que viabilizem os pressupostos das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Médio, pela articulação do trabalho, ciência, tecnologia e cultura, afirmando a dimensão ontológica do trabalho como princípio educativo e superando a limitação instrumental que preconiza a contrarreforma do Ensino Médio.
Observatório da Educação Básica (ObsEB) – FE/UnB
Brasília/DF, 09 de agosto de 2023
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